Eu ainda não tinha contado o que me fez encontrar novamente a inspiração para escrever... Às vezes, nos deparamos com pessoas especiais... gênios, com um dom maravilhoso, como o da autora e roteirista Lícia Manzo, da novela "A Vida da Gente". E que dom! Sua genialidade está nas palavras, no poder que ela têm de colocá-las de forma tão perfeita à ponto de tocar bem fundo o nosso coração.
Foi o texto e a cena deste texto que reascenderam meu coração para a paixão de escrever... E não importa quantas vezes eu leia e veja, fatidicamente, as lágrimas escorrem pelo meu rosto...
Então, como em homenagem e sincero agradecimento a esta escritora, coloco as cartas que os personagens Ana (Fernanda Vasconcelos) e Rodrigo (Rafael Cardoso) escrevem um para o outro, quando descobrem que sua história de amor já tinha acabado... Mais abaixo, eu coloco a minha versão das cartas... como eu escreveria. E se por um milagre de Deus, algum dia Lícia Manzo lesse esta postagem, eu diria para ela "Se algum dia eu crescer, que eu seja ao menos parecida com a grande escritora que você é!"
Curtam essa magnífica aula de escrita. E se sobrar um tempinho, vejam minha versão logo abaixo! Valeu!
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Rodrigo
Ana, minha querida,
Dizem que o amor acaba, que o amor termina. Mas não é verdade. Nada acaba, tudo dura, continua e se transforma.
Enquanto eu aguardava aquela cirurgia, mil anos se passaram. As duas estavam lá dentro e eu pensava: “se acontecer alguma coisa com elas, eu morro!” Dizem que passa um filme da nossa vida na nossa cabeça. E por isso eu vi: vi vocês duas, meninas, chegando na nossa casa. Vi nós três juntos, ainda pequenos e tantos e tantos momentos. Vi você erguendo taças, troféus. Tua imagem na revista, inacessível, distante da criança que eu era. E que você era também.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhllFc8X9Oen-yW3DhrSpno70SkEO866gWsLBZHbjbYdQQCJW4N5Gxf9rnlYw5-aVpSSBB-v6I_ZHXNeMZQLyhJDG__BXTTLW40pqC6epRJToMuDvHRY2rvgRIbQpoqVUk0oogda300gOgQ/s200/rodrigo-e-ana.jpg)
Depois a nossa fuga de casa, veio o nosso medo, veio a nossa coragem, veio o salto sem rede que tantas vezes se chama amor. Vi você indo embora, sendo levada de diferentes formas, tantas e tantas vezes. E depois vi você voltando e no fundo de seus olhos, como num rio, tudo que a gente não tinha vivido. A partir daí eu me vi dividido entre dois amores, entre duas vidas: uma que eu estava vivendo e outra que eu jamais tinha podido viver.
Durante os meus piores momentos enquanto eu aguardava naquela sala, foi como se a doença da nossa filha tivesse me curado. Eu entendi que não tinha mais divisão nenhuma. O que tinha sido vivido, o que tinha ficado pra trás, tudo, era parte de uma mesma história, de uma mesma vida e de um mesmo sentimento: amor. E foi então que eu vi nós dois juntos cruzando a fronteira.
Ana
Como se eu tivesse alcançado a outra margem de um rio. O rio onde a gente se amou pela primeira vez, o rio do meu acidente, mas sempre um rio. E porque naquele momento eu precisava ser forte, finalmente, sem escapes, eu consegui atravessar aquele rio eterno. Como se num instante, eu tivesse vivido todos os anos que ainda estavam parados em mim, me esperando.
Do outro lado da fronteira, que sem perceber nós já tínhamos cruzado, uma infância compartilhada, uma adolescência truncada, uma juventude não vivida. Do lado de cá, dois adultos maduros finalmente libertos daquele fardo pesado feito de lembranças, de sonhos antigos. Porque há novos sonhos do lado de cá da fronteira. E agora podemos viver!
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Minha versão:
Rodrigo
Ana, minha querida...
É engraçado como a vida encontra as maneiras mais inesperadas e às vezes mais difíceis, para nos ensinar que o amor verdadeiro é a única forma de viver plenamente.
Me lembro, como se fosse agora, enquanto a cirurgia acontecia eu só pensava: 'E se acontecer algo com a Júlia? E se acontecer algo com a Manu? O que vai ser da minha vida sem elas?' Foi então, que depois de alguns minutos me fazendo essa pergunta, eu percebi que não haveria vida. Sem elas, estaria morto.
O tempo passava e toda a nossa história juntos passava na minha cabeça... lentamente... como se a minha mente tivesse voltado no tempo... Mas era tudo tão real que eu podia sentir as sensações, a realidade das lembranças. A nossa infância juntos... todos os torneios que você ganhou, todas as nossas brigas de adolescência, e o rio... O rio que uniu nossas almas, nossos corpos... O rio que te levou pra longe de mim por muitos anos... O rio onde a perfeição do nosso amor se materializou.
E enquanto o medo tomava conta de mim, sentado naquela cadeira, finalmente entendi que a nossa história sempre esteve viva, a cada segundo do meu dia, se tornando para mim e pra você o único sentido da nossa existência. Porque o que seria de nós sem a nossa filha?
Eu percebi que desde o início não haviam divisões, e que todas as lembranças do passado, faziam parte de um presente e de um futuro. Todas faces de uma mesma vida, de um amor tão puro, que foi capaz de transformar a mim e a você.
Naquele momento, foi que eu compreendi, olhando nossas fotos de criança, que o nosso rio já tinha passado e que nós também passamos por ele, juntos.
Ana
De repente, aquele rio ganhou um novo sentido. O rio onde tivemos coragem de assumir um amor antigo, o mesmo rio que tornou meus olhos selados enquanto a sua vida seguia a diante. E quando eu acordei, foi como se eu tivesse parada, querendo chegar à outra margem, querendo viver o amor que não foi vivido. Mas foi. Porque o nosso amor foi tão forte, tão verdadeiro, que nos trouxe a Júlia. E foi capaz de transformar aqueles meninos assustados nos adultos que sempre quisemos ser, nós três.
Porque tudo muda. Os sonhos, os amores, a vida. E não se pode viver de lembranças, nem querer que as lembranças se transformem novamente na mesma vida. Até mesmo o rio nunca é o mesmo. As águas sempre se renovam. E o nosso rio seguiu seu curso, desaguou em novas águas e deu lugar para novos sonhos.
Eu olho para trás e vejo dois adolescentes... imaturos... querendo abraçar o mundo com as mãos... se transformando em adultos maduros, capazes de entender que o mundo não pode ser abraçado. Ele é só um lugar onde a vida deve ser construída, com amor e felicidade. E agora, livres de todas essas lembranças, curados, um novo horizonte se abre pra nós. Porque os sonhos nunca morrem, eles só se transformam. E agora, finalmente, estamos prontos para vivê-los.
Bruna Costa
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Espero que tenham gostado! Obrigada a Lícia Manzo não só pelo magnífico trabalho e pela sua genialidade, mas por usar um dom tão bonito, para fazer coisas grandiosas, emocionar as pessoas, e trazer essa jovem escritora cheia de sonhos, a continuar com sua paixão pela escrita.